segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Elas também querem os orgânicos

Gigantes como Unilever, Kraft, e Danone tentam entrar num novo e bilionário mercado

Quando decidiu que trabalharia para disseminar o consumo de produtos orgânicos, 30 anos atrás, a ativista americana Theresa Marquez foi alvo de zombarias. "As pessoas faziam cara de nojo e diziam que os orgânicos tinham gosto ruim e uma aparência péssima", afirma. Theresa menosprezou as ironias porque acreditava que a "família" -- como se refere aos adeptos do cultivo de alimentos sem agrotóxicos -- mais dia menos dia encontraria seu espaço. Hoje, aos 60 anos, ela é vice-presidente de marketing da Organic Valley, a maior e mais bem-sucedida cooperativa de produtores orgânicos dos Estados Unidos, com vendas de 245 milhões de dólares em 2005.
O que Theresa Marquez e outros pioneiros certamente não imaginavam quando começaram é que o apelo dos orgânicos para os consumidores -- cada vez mais preocupados com sua saúde e também com a do planeta -- cresceria a ponto de a "família" ter de abrigar membros como Kraft, Unilever, Danone, Coca-Cola, Cargill e Wal-Mart, entre outros gigantes da indústria e do varejo de alimentos. Existe uma razão para que essas grandes empresas hoje enxerguem os orgânicos como algo além de uma linha de produtos "naturebas" para hippies inveterados. Enquanto o mercado tradicional de alimentos nos Estados Unidos (o maior do mundo) cresce, em média, 3% ao ano, o de orgânicos cresce sete vezes mais rápido -- um ritmo que deve se manter pelos próximos dez anos e que pode ditar um novo padrão de comportamento em todo o mundo.
Só em 2005, o setor movimentou a fabulosa quantia de 14 bilhões de dólares no país. O potencial de crescimento é gigantesco. Hoje, apenas 2,5% do volume total de alimentos comercializados é de orgânicos. Por isso, Theresa, que se diz idealista (mas não cega), é pragmática: "Não querer que esses caras entrem para o nosso time? Tarde demais", diz.

A investida começou há cerca de dez anos e se deu, sobretudo, por meio de aquisições de pequenas e médias empresas do setor. Esses movimentos, porém, passaram quase despercebidos pelos consumidores. Uma discrição que foi intencionalmente planejada. "O fã de orgânicos compra o produto porque ele não tem pesticidas e também porque acredita que ele foi cultivado por um pequeno produtor que recebeu um pagamento justo", afirma Scott Van Winkle, analista sênior de orgânicos do banco de investimento inglês Canaccord Adams. "Para esse tipo de gente, a idéia de um produto orgânico associado a uma grande corporação é diabólica." Numa pesquisa realizada neste ano pela consultoria The Hartman Group, nos Estados Unidos, com 1 536 consumidores, 64% afirmaram que buscariam mais informações a respeito de uma marca de produto orgânico que consomem se descobrissem que ela agora pertence a uma grande empresa de alimentos.

Para driblar essa percepção, a estratégia usada pela maioria das gigantes foi manter as marcas das empresas adquiridas -- de preferência, sem vinculá-las às suas compradoras. Foi a estratégia adotada, por exemplo, pela Kraft, depois de adquirir as marcas Back to Nature (cereais) e Boca Foods (carne de soja), e pela Kellogg, com a compra da fabricante de alimentos vegetarianos Morningstar Farms. Além disso, as grandes companhias, em geral, não se desfazem dos fundadores das empresas de orgânicos. Há sete anos, a americana General Mills adquiriu a Cascadian Farm, uma das mais antigas em presas de orgânicos dos Estados Unidos. Uma de suas medidas depois da compra foi manter o americano Gene Kahn, fundador da Cascadian Farm, em seu quadro de funcionários (Kahn ocupa o cargo de vice-presidente de desenvolvimento sustentável).
A francesa Danone seguiu a mesma fórmula. Adquiriu o controle da Stonyfield Farm, tradicional produtor de iogurte orgânico, em 2004. Deixou a gestão, entretanto, nas mãos de seu fundador, Gary Hirshberg, que se prepara agora para levar a marca Stonyfield Farm para a França. Os especialistas, porém, acreditam que o inexorável crescimento desse mercado fará com que os consumidores mais xiitas -- aqueles que jamais aceitariam comprar um produto orgânico que levasse a assinatura de uma multinacional -- aos poucos se tornem minoria. "Estamos apenas no começo de uma longa história", afirma Winkle, do Canaccord Adams. "Quando esse mercado representar entre 7% e 10% do total, haverá menos puristas, e as empresas simplesmente terão de se preocupar em lançar versões orgânicas para seus produtos tradicionais."

Além de lidar com a desconfiança dos consumidores, as grandes empresas terão de superar outro desafio: a escassez de matéria-prima orgânica. Uma pesquisa realizada pela Organização de Comércio Orgânico dos Estados Unidos revelou que 52% dos fabricantes e varejistas venderiam mais se tivessem a garantia de um fornecimento mais regular. A demanda já é tão maior que a oferta que empresas como a Mars estão fazendo lobby para criar leis que incentivem os agricultores americanos a migrar para o cultivo orgânico. Para muitos fabricantes, a saída tem sido buscar fornecedores mundo afora, inclusive em países como o Brasil. "Minha cadeia de suprimentos hoje é o mundo", afirma Randy Erickson, vice-presidente de tecnologia da Clif Bar, tradicional fabricante americana de barras energéticas. Com fornecedores na Argentina, na Índia e em vários países da América Central, Erickson esteve no Brasil no fim de outubro e fez alguns contatos com pequenos produtores de frutas e grãos. Entusiasta e consumidor voraz de orgânicos, ele não cogita fechar nenhum acordo sem antes visitar as fazendas. "Quero primeiro estabelecer um relacionamento, conhecer essas pessoas", afirma. "Só depois comprar."

A receita do crescimento
O que as grandes empresas estão fazendo para entrar no mercado de orgânicos

Aquisições
Nos últimos anos, os fabricantes globais de alimentos compraram ou adquiriram participações em empresas médias de produtos orgânicos.E xemplo: a francesaDanone, desde 2004, é a controladora da Stonyfield Farm, uma das mais tradicionais produtoras de iogurte orgânico dos Estados Unidos

Marcas

O consumidor de orgânicos vê com ressalvas a presença de grandes fabricantes nesse mercado. Por isso, as gigantes mantêm as marcas adquiridas e a gestão do negócio com o fundador. Exemplo: em 1999, a americana General Mills comprou a Cascadian Farm, uma produtora de orgânicos do país.Até hoje a marca permanecee seu fundador é um de seus executivos

Abastecimento

Como a demanda por orgânicos nos Estados Unidos supera a oferta local, indústria e varejo estão buscando fornecedores no exterior e ajudando os pequenos produtores a aumentar sua escala.E xemplo: o Wal-Mart compra leite de uma fazenda americana que possui rebanho de mais de 4 000 cabeças

Essa preocupação não é mera retórica. Escolher um fornecedor "duvidoso" pode trazer sérios problemas. Veja o que aconteceu com a Wal-Mart. Recentemente, o maior varejista do mundo foi alvo de críticas de algumas ONGs que defendem o conceito de orgânico. A razão é que a Wal-Mart escolheu como principal fornecedor de leite orgânico uma fazenda que possui vacas de mais e espaço de menos para pastagem. E o raciocínio é que um leite não pode ser chamado de orgânico se as vaquinhas que o produzem não são, digamos, felizes. Num passado não muito remoto, a Wal-Mart podia ignorar o que sentem os animais. Hoje, se quiser entrar para valer na disputa pelos orgânicos, não pode mais se dar a esse luxo.

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